Adendo:
Este texto não é uma dica de medicina ou como tratar doenças, tudo a ser abordado aqui fica apenas na esfera filosófica e metafísica.
O que é alquimia?
Existem duas visões modernistas sobre o que é a alquimia, e ambas estão erradas. A Primeira diz que ela é uma Proto-química pseudo-científica, a segunda afirma que a mesma era uma Psicologia primitiva. Antes de discorrer sobre a Alquimia e seus conceitos, vamos refutar estas duas ideias errôneas.
Primeiro, a Alquimia dos séculos passado possui conceitos que a ciência moderna considera pseudo científicos ou místicos, mas afirmar “Alquimia e pseudo-ciência” e entrar em um erro de Anacronismo, pois os conceitos da mesmas são anteriores a química de Lavoisier e a Indústria Química, seria afirmar que Ptolomeu e pseudo-científico, pois mesmo que o modelo Heliocêntrico de Copérnico seja o correto, no ZeitGeist da ciência grega antiga o Modelo Ptolomaico fazia todo o sentido.
Segundamente, a alquimia possui uma interconexão fortíssima com o material e transcendental, não existe muito a separação do mundo físico para o teológico, falar que os arquétipos e simbolismos da Alquimia são puramente psicologia e recorrer em anacronismo tão ou mais grave que da Proto-química.
Pedra filosofal: o simbolismo desta
Um dos itens mais associados a alquimia e a Pedra Filosofal, um material mítico que poderia transmutar metais e trazer a imortalidade. Por mais mágico que possa parecer, este simbolismo da pedra vai muito mais além.
Primeiro, devemos entender que a imortalidade que se busca é a da Alma, em muitas tradições como a dos egípcios e os Mitos de Hesíodo, a alma não é naturalmente imortal como no Orfismo ou Platonismo, mas sua imortalidade e obtida por ritos ou processos como a Mumificação(Egípcios) ou Apoteosis(Hesíodo). A Pedra filosofal estava ligada a componentes da criação que poderiam auxiliar na obtenção desta imortalidade.
Os simbolismos de transmutar metais ouro e de Imortalidade física/Corporal remetem ao retorno do primordial e da criação, outras tradições não-mediterrâneas como o Taoísmo/Alquimia Chinesa e religiões Dharmicas como Budismo/Hinduísmo também tem este aspecto de busca da Imortalidade da Alma.
Mas qual seria a origem desta pedra filosofal? Veremos abaixo.
Macrocosmo e Microcosmo
Como dito acima, a Alquimia tinha uma visão holística e teologicamente interconectada da ciência, isto não seria diferente de sua cosmologia. O Corpo e a Psique humana seriam vistos como um espelho do Mundo exterior, e isso seria usado para os conceitos de Macro cosmo(Mundo externo) e Microcosmo(o Homem).
No Hermetismo tem a expressão “As Above so Below”, onde o Céu seria um espelho da Terra, assim este mesmo conceito aplica-se ao Homem e sua relação com a natureza/Mundo exterior. Paracelso usou este mesmo conceito para explicar que assim como a Terra tem seu firmamento e metais, o céu tem seu firmamento e astros, seria o mesmo com o corpo humano e sua estrutura e partes.
Esta análise de Macro e Micro foi importante na análise de Paracelso sobre as doenças que os Moradores sofriam, pois ao analisar o ambiente externo destes trabalhadores(As minas e seus metais) e as complicações( sintomas de suas doenças) dos mesmos, foi possível ter um diagnóstico mais amplo sobre esta condição médica. Apesar de esta análise médica ser muito antiga, é inegável a contribuição de Paracelso a Toxicologia e Medicina.

A Pedra filosofal seria o Macro cosmo em sua menor escala, com isso poderia curar males e doenças que estariam a afetar o microcosmo, devido ao Todo e o Um estarem conectados
Tria Prima: Corpo, espírito e mente
Como vimos que o Corpo e a Psique humana estão conectados, prosseguiremos a analisar estes mesmos.
O ser humano seria composto por três aspectos, um físico/Elementar(Corpus), um sideral/espiritual(Spiritus) e uma alma divina(Anima), estes três seriam importantes na análise do microcosmo, especialmente a Alma, pois esta seria o principal objetivo de Imortalidade.
A diferença entre espírito e alma se dá quando a primeira se relaciona com a mente e a psicologia do ser humano, enquanto a segunda atua com o lado transcendente do mesmo. Ao usar termos Junguianos, o espírito estaria relacionado às quatro funções psíquicas e a alma com a função transcendente.
Outra questão envolvida com estas três partes do ser humano são os três elementos da Tria Prima. Como o Sal(Corpo), Mercúrio(Espírito) e o Enxofre(Alma). Paracelso foi o primeiro a dividir o Microcosmo com estes três elementos, esta análise do alquimista suico vai de encontro de suas análises sobre as doenças de mineradores como também a relação destes elementos com os estados da matéria(Sólido, Líquido e Gasoso-plasma).
Os Quatro elementos de Empédocles
Empédocles foi um filósofo pré socrático que definiu que o princípio(Arke que os Gregos buscavam) era composto por quatro elementos(Terra, água, ar e fogo), este conceito foi usado tanto pelos filósofos posteriores(Como o Ether de Aristóteles no Céu) como na Medicina(Os Humores da Medicina Galênica) e também em Paracelso, que apesar de crítico da Medicina Galênica, discorreu sobre os mesmos em sua análise sobre os elementais.
Interessante notar que apesar de “Ultrapassado” comparado com a nossa tabela periódica, os Quatro Elementos ainda possuem um Simbolismo forte, seja com os Quatro estados da matéria(Sólido, Líquido, Gasoso e Plasma), como os antigos acreditavam nos reinos Biológicos(Mineral/Terra, Vegetal/Água, Animal/Ar e Intelectual/Fogo) e as quatro funções Junguianas(Terra/sensação, Agua/Sentimento, Ar/Pensamento e fogo/Intuição), estes simbolismo estão presentes na nossa química moderna e psicologia, mesmo que em menor escala.
Paracelso inclusive usa o simbolismo psíquico dos quatro elementos para discorrer sobre os Elementais, onde estes teriam espírito e corpo, mas não uma alma. O que explicariam o ser humano conseguir a salvação, ao contrário dos Elementais, como também a existência destes(Os europeus da época acreditavam nesses, apesar da conversão ao catolicismo a séculos) não contradizer a criação e o conceito de Privatio Boni. Onde os Elementais seriam criaturas que nem os humanos, mas que não teriam uma alma para se conectar com Deus.
Dado que o Hermetismo tem influências do Pitagorismo, é inegável que a tira prima e os quatro elementos sejam uma clara inspiração da tríade e tétrade do Tetraktys, sendo a Tria Prima um princípio anterior aos quatro elementos.
Os sete planetas
O Número sete é presente em muitas tradições e símbolos, os dias da criação no Gênesis, notas musicais, pecados e virtudes e muito mais. Na Alquimia não seria diferente.
O sete e a junção dos números três e quatro, logo seria a junção da tríade e tétrade Pitagórica. Além dos exemplos citados acima, outro padrão de número de números com 7 são os planetas visíveis(Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter e Saturno). Estes planetas são citados no Corpus Hermeticos como Arcontes/Regentes(Não confundir com os do Gnosticismo) aliados ao Divino.
Os ciclos destes possuem simbolismo interessantes com aspectos da vida humana, a Lua(Associada a deusa romana Diana) tem uma revolução que dura 28 dias, assim como o ciclo menstrual, muitas culturas possuem deidades lunares Femininas por causa disso. Outro simbolismo interessante é que o ciclo de Vênus tem um tempo próximo a 9 Meses, assim como a Gestação. Outro ponto interessante é que Aristóteles define o Tempo como a Mudança/Movimento da Matéria,este conceito se alinha com o fato que Saturno(O Cronos Grego) e o planeta com maior revolução(30 Anos), sendo o planeta posterior ao Primum Mobile.
Além dos astrológicos, é interessante notar que estes planetas tinham um simbolismo forte com fases da vida, navegação marítima e organização dos tempos. O Portugues não tem mais este hábito linguístico, mas línguas como Espanhol, Francês e Japonês possuem os dias da semana baseados nos sete planetas. Este simbolismo dos Planetas pode ser explicado pela sincronicidade de Jung
Magnum Opus e os 12 processos alquímicos
Os alquimistas catalogaram o ciclo dos metais em um termo chamado Magnum Opus, onde os metais transmutaram do chumbo ao ouro de forma natural, a Pedra filosofal seria o catalisador a este processo. Este processo tinha quatro etapas, Nigredo(Chumbo), citrinitas(Ferro), Albedo(Prata) e Robredo(Ouro).
Se a soma da tríade e tétrade geram o sete, o seu produto se relaciona com o 12. Os alquimistas catalogaram os quatro estágios em doze processos alquímicos, estes processos tinham seus símbolos representados pelos mesmos do Zodíaco ocidental. Alquimistas acreditavam que estes processos eram a chave para obter a pedra filosofal.
Estes 12 processos serviram como base para a nossa química moderna. Até hoje os cientistas usam símbolos parecidos tanto nos processos químicos quanto na astronomia.
Considerações sobre a alquimia
Esta análise busca mostrar que apesar da Alquimia ter conceitos que são anti-físicos para a ciência moderna, seu papel na ciência de sua época é inegável. Hoje muitos conceitos que consideramos científicos podem ser vistos como pura fantasia daqui a 200 anos.
O mais importante da alquimia não é sua acurácia física, mas seu simbolismo tradicional sobre a imortalidade da alma. Nosso corpo morre, com toda certeza, mas nosso espírito e alma continua o mesmo após a morte? A ciência moderna consegue lidar com o transcendente sem cair em uma metafísica negativa? Estas perguntas apenas os cientistas e filósofos do futuro irão responder.
Bibliografia
CORPUS HERMETICUS de Hermes Trimegistus
FOUR TREATISES OF PARACELSUS da Editora John Hopkins
DO CÉU Aristóteles editora Edipro
Física I-II Aristóteles Editora Unicamp
História Natural Livro II Plínio o Velho
PRÉ-SOCRÁTICOS E ORFISMO Giovanni Reale
ESPIRITUALIDADE E TRANSCENDÊNCIA de C. G. Jung Editora Vozes
THE HERMETIC TRADITION Julius Evola
O livro dos mortos do antigo Egito de E. A. Wallis Budge